A nova moda no ambiente jurídico-tributário é a adoção da modulação de
efeitos temporais por parte dos Tribunais Superiores. Um instituto criado
para garantir a segurança jurídica ou excepcional interesse social, que pode
ser utilizado para restringir os efeitos da decisão.
Este artigo analisará a aplicação do instituto na área tributária, sem ter a
pretensão de esvaziar o assunto.
O artigo 165 do Código Tributário Nacional garante ao contribuinte o direito
à restituição do indébito, respeitado, à toda evidência, o prazo prescricional
de cinco anos, disposto no art. 168 da mesma lei. Pela lógica, este prazo é
retroativo, já que o exercício do direito alcança o indébito ocorrido dentro do
prazo prescricional.
Com a leitura dos mencionados dispositivos, extrai-se que o CTN delineou
os efeitos da restituição de indébito, atribuindo limites ao seu exercício,
tratando-se de prazos de prescrição.
Dito de outra maneira, o contribuinte poderá reaver os valores pagos
indevidamente ou a maior nos cinco anos que antecederam o exercício do
seu direito.
Portanto, nos julgamentos de matérias tributárias, o direito do contribuinte
não pode ficar sujeito à modulação de efeitos que impeçam a eficácia
retroativa da decisão, tendo, como única possibilidade, a atribuição de efeitos
“ex tunc” à decisão, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do
Estado, violação à regra da legalidade tributária, e o contribuinte ter arcado
com uma tributação reconhecidamente inconstitucional ou ilegal.
Portanto, a ideia de modulação dos efeitos em matéria tributária, fundada na
Lei 9.868/99 ou no CPC, está em desacordo com a previsão específica do
CTN. Conclui-se que, o CTN prevê regime específico e tratamento próprio
para a eficácia da restituição tributária, exaurindo o assunto. Este direito
consiste em garantia individual, que, ao invés de infirmar a segurança
jurídica, confirma-a, sendo inalterável até por emenda constitucional.
Caso o leitor ainda não esteja convencido sobre a impossibilidade de
modulação de efeitos às decisões tributárias, outros argumentos não escapam
da fundamentação abaixo.
No ordenamento jurídico, este mecanismo está previsto no art. 27 da Lei n°
9.868/99, e no art. 927, §3° do CPC.
Nas duas leis, o instituto tem a finalidade de garantir a segurança jurídica e
o interesse social.
A Lei n° 9.868/99 trata das ações declaratórias de constitucionalidade e ações
diretas de inconstitucionalidade. Nestas hipóteses, para a aplicação da
modulação de efeitos, por parte do Poder Judiciário, a lei não prevê um
requisito preexistente ao julgamento. Nos demais casos, os Tribunais
Superiores, para modularem os efeitos de uma decisão, devem observar uma
condição preexistente ao julgamento, qual seja, jurisprudência contrária ao
decidido, conforme o disposto no art. 927, §3° do CPC.
Ou seja, em controle concreto de constitucionalidade ou controle
concentrado (excluídas as ações da Lei n° 9.868/99), ou tese julgada pelo rito
dos recursos repetitivos, para a aplicação da modulação de efeitos a lei
determina que esteja havendo uma modificação na jurisprudência.
Portanto, o que o STF faz, quando julga em controle concreto de
constitucionalidade, além de banalizar o mecanismo, é ignorar
completamente a condição prevista no art. 927, §3° do CPC.
Fazendo uma análise pormenorizada das finalidades que justificam a
aplicação da modulação de efeitos, quais sejam, a garantia da segurança
jurídica e o interesse social, tem-se que, no caso da segurança jurídica, a
aplicação da modulação de efeitos tem efeito contrário à finalidade
perseguida pela norma.
A Constituição Federal, no capítulo que trata das limitações ao poder de
tributar, abriga a regra da estrita legalidade. Portanto, o controle de
constitucionalidade, ao concretizar tal regra, consolida o princípio da
segurança jurídica, fortalecendo a obediência à Constituição e inibindo a
transgressão das normas que tratam da limitação ao poder de tributar. Logo,
a aplicação da modulação de efeitos causa o enfraquecimento das normas
positivadas pela Constituição, causando insegurança jurídica, e não
segurança jurídica.
A outra justificativa que poderia ser adotada, pelos Tribunais, para aplicar a
modulação de efeitos a um julgamento, também deve ser, de plano,
totalmente descartada quando o julgamento tratar de matéria tributária.
A modulação de efeitos, sob uma perspectiva do interesse social, também
não encontra respaldo. Isso porque a modulação de efeitos da decisão, em
uma ação que visa recuperar os valores indevidamente recolhidos, é questão
de justiça fiscal, ou seja, a limitação dos efeitos vai na via contrária ao
interesse social. Em um cenário tributário, deve-se levar em conta a
repercussão econômica da carga tributária que é repassada a toda sociedade,
sendo, esta, portanto, afetada negativamente.
Além disso, a modulação de efeitos, da maneira que se têm utilizado dela,
ou seja, sem critério definido, gera a corrida ao Poder Judiciário, por parte
dos contribuintes. Primeiro, porque o instituto tem adotado, em cada caso,
um critério distinto; uma hora utilizam como marco temporal o início do
julgamento, depois utilizam o fim do julgamento, e assim por diante. Ou seja,
além da aplicação da modulação de efeitos gerar insegurança jurídica, ao
invés de evitá-la, também se distancia do interesse social, já que a
insegurança e imprevisibilidade causa um aumento da judicialização,
deixando o Poder Judiciário ainda mais lento, o que o torna ineficiente.
Como o interesse social pode ter como consequência um judiciário
ineficiente?
O Poder Judiciário tem adotado o argumento de que “a modulação visa
combater tal espécie de corrida ao Poder Judiciário”. Conforme exposto,
este instituto tem causado o efeito contrário ao pretendido.
Com isso, o contribuinte se vê, cada vez mais, obrigado a litigar contra o
Estado. Um empresário que antes questionaria os fundamentos jurídicos de
determinada demanda tributária, agora judicializa a demanda como
necessidade de equilíbrio concorrencial, tendo em vista as incertezas
advindas do Judiciário.
Portanto, ainda que superados todos os argumentos expostos, o mecanismo
da modulação de efeitos foi criado para ser utilizado em situação
excepcional, e agora, foi banalizado, virando praxe nos julgamentos
tributários, para tentar reduzir os impactos econômicos de uma tributação
ilegal ou inconstitucional, por parte dos entes tributantes, o que prejudica, e
muito, os contribuintes e a sociedade.
Por Gustavo Leite