No dia 16 deste mês de setembro, o ministro Alexandre de Moraes revogou a liminar que suspendia o Decreto nº 11.158/2022, que dispunha sobre quais são os produtos fabricados no Brasil sujeitos à redução de 35% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A redação do mencionado decreto, que passou a valer, retira os itens fabricados concorrentemente na Zona Franca de Manaus e em outras zonas industriais brasileiras.
O relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes, entendeu que a redução do IPI em todo o país prejudicava a competitividade dos itens fabricados na Zona Franca de Manaus; deste modo, a região amazônica perderia a vantagem fiscal sobre em relação ao restante do país.
A Constituição Federal impõe ao IPI o princípio da seletividade em razão da essencialidade em seu art. 153, §3º, I, segundo o qual os produtos devem ser tributados na razão inversamente proporcional à sua indispensabilidade. Ou seja, quanto mais essencial for o produto industrializado (IPI), menor deverá ser a tributação por este imposto.
No âmbito dos princípios tributários, o da seletividade é o que orienta o legislador quando da fixação de alíquotas, em razão da essencialidade dos bens e serviços. Por isso, deve o legislador valer-se da essencialidade a fim de praticar a tributação, de modo que seja ponderado o que é mais essencial e o que é mais supérfluo.
Nas palavras de Aliomar Baleeiro, essencialidade:
Refere-se à adequação do produto à vida do maior número de habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros.
De outro modo, o ordenamento jurídico pátrio não delimitou um rol determinando o que é essencial e o que é supérfluo, o que confere ao legislador certa discricionariedade. Em decorrência disto, acabam por burlar o motivo de existência do princípio e determinam alíquotas de tributação elevadas, o que prejudica os contribuintes e toda a sociedade de modo geral.
A respeito do princípio, Celso de Mello faz importante constatação:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, como ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.
Tem-se, portanto, que o princípio da seletividade é a seleção realizada pelo legislador, sobre o modo de tributar cada bem ou serviço, em razão da essencialidade de cada um, de modo que, para se chegar a tal conclusão, devem-se levar em consideração os princípios da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial.
O Decreto aqui analisado, a respeito da Zona Franca de Manaus, como já foi dito, deixa claro que esta região possui peculiaridades socioeconômicas que impõem ao legislador conferir tratamento especial aos insumos advindos dessa parte do território nacional.
Daí decorre a relevância da Zona Franca de Manaus e da sua expressa manutenção pela Constituição Federal, de ordem a proteger o legítimo tratamento desigual conferido às mercadorias produzidas nessa região, qualificada como de livre comércio em relação às oriundas de outras partes do país (RE 592.891, Rel. Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, DJe de 20/09/2019; RE 596.614, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator do acórdão Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, DJe de 20/09/2019).
O IPI afigura-se como um dos principais tributos integrantes do pacote de incentivos fiscais caracterizadores da Zona Franca de Manaus, localidade isenta de pagamento desse imposto por força dos arts. 3º e 9º do Decreto-Lei 288/1967, razão pela qual a redução de alíquotas poderia acarretar uma desvantagem comparativa para o polo, ameaçando a própria persistência desse modelo econômico diferençado constitucionalmente protegido. Ou seja, a redução das alíquotas do IPI pelos decretos não acompanhada de medidas compensatórias à produção, tem o potencial de esvaziar o estímulo à permanência de empresas e instalação de outras na Zona Franca de Manaus, comprometendo o desenvolvimento e a competitividade de tal modelo econômico, valores que a Constituição quis preservar.
Uma vez que a tributação dos bens industrializados pelo IPI passa, necessariamente, pela análise da seletividade, ou seja, bens essenciais devem ser menos tributados do que os mais supérfluos, com tais medidas, praticamente todo o faturamento das empresas instaladas na Zona Franca de Manaus encontrar-se-á preservado, na medida em que a manutenção das alíquotas majoradas garante um diferencial de competitividade, que é o bojo central da proteção consagrada constitucionalmente para a região.
Por Iara Coimbra Teixeira e revisado por André Luiz Martins Freitas