Em meio às incertezas da reforma tributária, o Brasil deu mais um passo para a insegurança jurídica, demonstrando ser um país não confiável juridicamente. Quem sofre com isso é o contribuinte.
No apagar das luzes do ano de 2023, o Governo Federal publicou a MP 1.202/23, que pegou muitos de surpresa.
Alguns ainda estão estudando a medida, tendo em vista a retomada dos serviços e as atualizações das alterações do ordenamento jurídico.
Este artigo irá se concentrar na falta de segurança jurídica promovida pelo próprio Estado, demonstrando isto na revogação dos benefícios fiscais do Perse a partir de 1° de janeiro de 2025 para o IRPJ e a partir de 1° de abril de 2024 para CSLL, PIS e Cofins, trazidos pela citada medida provisória.
Como muitos sabem, a lei 14.148/21 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública da pandemia.
Tal lei já demonstrou a fragilidade da segurança jurídica em nosso país, com diversas alterações e discussões judiciais.
Todavia, o que parecia ter havido uma estabilização na situação de direito, foi por água abaixo com a edição da MP 1.202/23.
O Perse desonerou de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, pelo prazo de 60 meses, para contribuintes que desempenham atividades econômicas no setor de eventos.
Conforme reconhecido pela própria Receita Federal, o prazo de desoneração vigoraria de março de 2022 a fevereiro de 2027.
Diante desta condição, os contribuintes se planejaram para conseguir se recuperar, pelo menos parcialmente, dos impactos econômicos da pandemia.
A Medida Provisória, que pode se tornar lei, revogou a benesse da desoneração concedida pela lei 14.148, com produção de efeitos para 1° de janeiro de 2025 para IRPJ e 1° de abril para CSLL, PIS e Cofins.
Ou seja, o contribuinte que se planejou para tal desoneração até 2027 terá que se readequar à nova realidade, caso esta medida provisória vire lei.
É bom lembrar que o programa foi instituído por uma medida provisória que posteriormente se converteu em lei, ou seja, foi um ato do Poder Executivo, e, embora tenha sido alterado o governo, que tenta implementar uma nova maneira de governar, a revogação de programas, com a finalidade arrecadatória, instituídos anteriormente não se coaduna com a estabilidade jurídica que os cidadãos demandam.
Em relação à validade de tal medida provisória, no que tange a esta revogação, à toda evidência ela não atende os pressupostos constitucionais.
Ao fazer um juízo prévio sobre a urgência da medida, pode-se notar que há um desrespeito ao disposto no art. 62 da Constituição.
Como se pode afirmar que a medida é urgente se ela só produzirá efeitos em abril de 2024 e janeiro de 2025?
Em relação à produção de efeitos a partir de abril de 2024, pode-se presumir que o governo tentou evitar qualquer discussão sobre a anterioridade nonagesimal, haja vista o aumento indireto da carga tributária. Já em relação a previsão de produção de efeitos para janeiro de 2025, pode-se dizer que o governo tentou evitar qualquer discussão sobre a anterioridade anual, em uma eventual conversão em lei.
Basta interpretar de maneira holística o ordenamento jurídico para perceber que a medida provisória é um instrumento excepcional para tratar de instituição ou majoração de tributo. Nesse ponto, é incoerente que tal medida seja urgente e gere efeitos noventa dias depois, ou até mesmo no próximo ano.
Uma medida urgente é uma medida praticamente imediata, cuja necessidade seja imediata. Conforme ensina Carvalho Filho, haverá urgência quando o assunto requerer uma solução imediata de tal modo que “não poderá aguardar o lerdo e burocrático processo legislativo comum”.
A edição de uma medida provisória é condicionada à relevância e à urgência. Não sendo preenchidas quaisquer destas, não há que se falar em constitucionalidade da medida provisória.
Por óbvio, não se pode deixar ao bel prazer do Poder Executivo a definição do que é relevante e urgente. As medidas têm que guardar relação com a realidade, sendo hialino a sua relevância e urgência, pois estes são os pressupostos de constitucionalidade.
Portanto, é evidente que a citada medida não atende ao pressuposto constitucional da urgência. Já em relação ao aspecto legal, tal medida viola diretamente o CTN, já que afronta o art. 178 do diploma.
É indiscutível que a previsão do art. 178 do CTN confere à isenção concedida por prazo determinado e em função de determinadas condições o patamar de direito adquirido do contribuinte.
Paulos de Barros Carvalho ensina que a alíquota zero guarda relação com a isenção, tendo em vista que, no fenômeno da alíquota zero, o legislador institui a norma tributária, estabelecendo os critérios da hipótese de incidência; todavia, no critério quantitativo do consequente, embora atribua base de cálculo, prevê uma alíquota igual a zero. O professor, em seu livro Curso de Direito Tributário, p.568, ensina que:
“que diferença há em inutilizar a regra de incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da percussão tributária? Nenhuma.”
Portanto, a redução de alíquota a zero é o mesmo que isenção tributária.
A previsão do art. 178 do CTN é a materialização da segurança jurídica, pois o contribuinte, quando goza de uma isenção, faz todo um planejamento fiscal em razão da isenção. Ele não pode ser surpreendido com a revogação ou modificação das “regras do jogo” após o “início do jogo”.
A revogação pretendida pela medida provisória rompe com a expectativa normativa criada pelo próprio Poder Público, contrariando a segurança jurídica, a boa-fé do contribuinte, a lealdade da Administração Pública, a proteção da confiança legítima e o direito adquirido.
Tal isenção foi concedida nos exatos moldes para se tornar imutável até o exaurimento do prazo ou condição que foi concedida, conforme o art. 178 do CTN, portanto, qualquer ato normativo que revogue ou modifique a isenção é ilegal, devendo ser reconhecida a sua ilegalidade pelo Poder Judiciário.
Portanto, a MP 1.202/23, ao revogar o Perse, é inconstitucional, por não preencher o pressuposto da urgência, e é ilegal, por violação do art. 178 do CTN.