Na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, da Lei Kandir, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.
Assim, o STF entendeu que, na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, por não haver mudança de titularidade, não deveria incidir ICMS.
Uma das questões suscitadas neste julgamento foi a possibilidade de transferência dos créditos de ICMS para estabelecimentos situados em outras unidades da federação. Existem varejistas, por exemplo, que possuem grandes centros de distribuição pelo país, de onde são enviadas as mercadorias para a venda ao consumidor final. Sem a transferência dos créditos, não haveria créditos para abater do montante devido no Estado de destino, o que infligiria a norma da não-cumulação.
No julgamento, o STF reconheceu tal direito. O problema é que o Confaz, por meio dos Convênios ICMS nº 174 e 178, estabeleceu a obrigatoriedade da transferência de créditos de ICMS nessas operações.
A crítica a esta obrigatoriedade surge da ideia de que a transferência, por ter uma natureza de direito subjetivo, deveria ser facultativa. Nesta linha de pensamento, o Estado do Rio de Janeiro não aderiu aos convênios ICMS citados, tratando, por meio do decreto estadual 48.799/23, a transferência dos créditos como facultativa.
Considerando que a transferência dos créditos é benéfica ao contribuinte, poder-se-ia inferir que a obrigatoriedade da transferência não é algo tão relevante assim.
Ao impor, entretanto, a transferência obrigatória dos créditos, os convênios ICMS nº 174 e 178, acabaram por reestabelecer a possibilidade de tributação das operações relativas à transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, ainda que de forma velada.
Isto porque, caso a alíquota para o cálculo dos créditos na entrada for menor do que a interestadual utilizada para o cálculo do crédito a ser transferido, seria gerado um saldo a pagar na apuração do ICMS, com base justamente em um fato que não é tributado por aquele imposto, no caso, a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Por sua vez, a não obrigatoriedade da transferência dos créditos, como determinado pelo STF, traduz a conclusão de que ao contribuinte é permitido transferir o montante de crédito que lhe convier (podendo, inclusive, não transferir) na remessa de mercadorias entre filiais, sendo garantido o aproveitamento da diferença de crédito no estabelecimento de origem.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no processo de nº 1012747-63.2024.8.26.0053, interpretando o julgado do STF, reconheceu que a transferência de créditos nessa hipótese é um direito do contribuinte, constituindo assim uma faculdade e não um dever.
Por Fernanda Vargas e João Palhares