Por Fernanda Vargas e Gustavo Leite
A Medida Provisória n° 1.202/23, buscando limitar, até hoje, os efeitos do impacto fiscal da perda do Governo da tese sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, acabou por ser uma surpresa no ambiente tributário.
Segundo uma notícia veiculada pelo Jornal Valor Econômico¹, empresas usaram 292 bilhões de reais em créditos oriundos da “tese do século” entre janeiro de 2019 e agosto de 2023.
Tais valores justificam a tentativa de limitação do direito à compensação imposta pela Medida Provisória n° 1.202/24 e regulamentada pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda n° 14/24.
Ainda conforme a notícia: “A partir do ano de 2019, os créditos judiciais têm representado 38% dos créditos utilizados em compensação. No período de 2005 a 2018 esse percentual era de 5%”, diz a Receita Federal.”
Tal crescimento exponencial de valores compensados, somados à meta fiscal estabelecida pelo Governo, levaram ao escalonamento para a utilização dos créditos judiciais superiores a dez milhões de reais.
Conforme a Lei n° 9.430/96, créditos, ainda que judiciais, podem ser utilizados para compensar débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil.
Como no caso de compensação, o credor e o devedor são, ao mesmo tempo, credores e devedores recíprocos, há o encontro de contas para extinguir o crédito. É o que prevê os arts. 156, inciso II e 170, ambos do CTN. Veja-se:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(…)
II – a compensação;”
“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”
A Constituição, em seu art. 146, III, estabelece que caberá à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Conforme já transcrito acima, a Lei Complementar n° 5.172/66 (CTN) estabeleceu que, para impor condições e autorização de compensação tributária, deve-se observar a reserva legal.
Sabe-se que a medida provisória tem força de lei, tendo em vista o art. 62 da Constituição. Todavia, a delegação feita pelo art. 74-A da Lei n° 9.430/96 às condições de compensação para ato do Ministro da Fazenda viola o princípio da reserva legal previsto no art. 170 do CTN, e, por consequência, viola o art. 146, III da CF.
Não há que se falar que, tendo em vista a delegação, para ato do Poder Executivo, ter sido feita pela “lei” (medida provisória com força de lei) deve ser considerado válido e legítima a previsão da Portaria Normativa do Ministério da Fazenda n° 14/24. Primeiro, porque o princípio da reserva legal ficaria obsoleto caso a legislação pudesse sempre delegar as suas atribuições a ato do Poder Executivo. Segundo, porque, quando a legislação faz apenas a delegação de sua atribuição a ato do Poder Executivo, estar-se-á admitindo que tal ato crie direitos, pois não estará apenas regulamentando (ou seja, complementando a previsão legal), mas, sim, legislando sobre direitos, violando o arcabouço constitucional e o processo legislativo. Terceiro, porque, caso se entenda que tal delegação é legítima, estar-se-á de, uma só vez, violando o comando constitucional, pois a CF determinou que lei complementar estabelecesse regras gerais sobre legislação tributária, e a lei complementar que deu eficácia a tal dispositivo previu que a lei, em sentido estrito, pudesse estabelecer condições para a compensação tributária. Ou seja, estaria violando o art. 170 do CTN e o art. 146, III da CF.
Portanto, para que se torne legítima a limitação de utilização do mecanismo da compensação tributária, a lei em sentido estrito deve exaurir o tema, estabelecendo condições para a efetivação do mecanismo, cabendo a atos do Poder Executivo apenas regulamentar as disposições legais, podendo complementar, sem criar limitações ou condições, o direito dos contribuintes.