Em 2017, o STF julgou o RE 574.706/PR, Tema 69, que trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Conforme determina o art. 1.040 do CPC, após a publicação do acórdão paradigma a decisão deve ser aplicada pelos Tribunais.
A Fazenda Nacional interpôs embargos de declaração, requerendo, principalmente, a modulação dos efeitos da decisão e, sustentando também que o acórdão era omisso em alguns pontos, como, por exemplo, em relação a qual o valor do ICMS que deveria ser excluído da base de cálculo das referidas contribuições.
Desde a decisão, os contribuintes têm uma enorme dificuldade para ver a tese decidida pelo STF ser aplicada. Isso se dá pelo fato de que, a Fazenda Pública, irresignada, com a decisão do STF, desenvolveu a tese mirabolante de que o STF decidiu pela exclusão do ICMS efetivamente recolhido e não o destacado nas notas fiscais, da base de cálculo do PIS e da Cofins, sem nenhum fundamento. Também ocorre, pelo fato de que a Fazenda Nacional, insistentemente, interpõe recursos, até que os esgote, para tentar rediscutir a tese já definida.
E, quando os contribuintes conseguem o trânsito em julgado da decisão favorável, eles ainda têm dificuldades quando vão fazer cumprir a decisão judicial, por meio de compensações, por exemplo. Isso porque a Receita Federal do Brasil elaborou a solução de Consulta da Cosit nº13, que trata, especificamente, sobre este tema. O problema, é que a RFB ao invés de fazer cumprir as decisões judiciais, criou um novo litígio, é como se estivesse “pirraçando”, por não concordar com a decisão do STF no Tema 69.
Na mencionada solução de consulta, a RFB exterioriza o entendimento de que o valor do ICMS efetivamente recolhido é o correto a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins, alegando que foi isso que o STF decidiu.
Este enorme equívoco, por parte da FN e da RFB, causam enormes prejuízos aos contribuintes que esperaram mais de uma década aguardando o Supremo julgar a matéria, e agora não conseguem aplicar a decisão.
Os embargos de declaração estão pautados para serem julgados no dia 1ºde abril de 2020. Mas, apesar da FN insistir que o STF não definiu qual o valor do ICMS deverá ser excluído, não foi o que aconteceu no acórdão paradigma.
A ministra Cármen Lúcia foi a relatora do RE, e, em seu voto ela deixa claro, em mais de uma oportunidade, que o valor do ICMS destacado nas notas fiscais deveriam ser excluídos da base de cálculo do PIS e da Cofins. Assim se manifestou a Ministra:
“Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições”.
O entendimento fixado pelo STF, não dá margem a dúvidas, pela simples questão de que, caso o ICMS a ser excluído fosse o recolhido, estar-se-ia desprezando que, ao adquirir a mercadoria, o valor do ICMS está compreendido no preço, tão logo, o adquirente, sucessor na cadeia produtiva, arca com este custo, sendo, portanto, inconcebível o raciocínio de que a diferença entre o ICMS destacado e recolhido fosse faturamento da empresa, ou seja, que integrasse o patrimônio da empresa.
Por isso o entendimento da FN e da RFB estão equivocados, pois representam uma afronta à decisão no Tema 69. Não teria sentido excluir da base de cálculo do PIS e da Cofins, apenas o ICMS recolhido, pois, se assim fosse, estar-se-ia burlando a decisão do STF, que determinou que todo o ICMS fosse excluído da base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins. Se se entendesse pela exclusão do ICMS efetivamente recolhido das contribuições, as bases de cálculo do PIS e da Cofins ainda estariam sendo infladas por parte do ICMS, o que notadamente, o Supremo Tribunal Federal quis abolir.
Veja-se a parte em que o voto condutor reitera que todo o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins:
“Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins.”(No original não consta grifo)
Para os que ainda sustentam que o acórdão foi omisso quanto ao valor do ICMS a ser excluído, é necessário um mínimo de boa vontade para se debruçar sobre o acórdão, e extrair cada conteúdo decisório do voto condutor. Assim, sem maiores sacrifícios, podemos chegar à conclusão de que a Ministra votou, e o plenário seguiu, pela exclusão do ICMS destacado nas notas ficais da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Ainda que não fosse suficiente, o próprio ministro Gilmar Mendes, que na oportunidade, foi voto vencido, já chancelou esse debate quando proferiu uma decisão monocrática em que, explicitamente, disse que o plenário do STF, ao decidir o tema 69, afirmou que o montante do ICMS destacado nas notas fiscais deveria ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins. Veja-se:
“Inicialmente, verifico que matéria semelhante foi decidida no RE-RG 574.706, (tema 69), Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 2.10.2017. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal afirmou que o montante de ICMS destacados nas notas fiscais não constituem receita ou faturamento, razão pela qual não podem fazer parte da base de cálculo do PIS e da COFINS.”(No original não consta grifo).
Não se pode haver presunção, principalmente quando a presunção representa uma discordância com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, como quer a RFB e FN, de que o ICMS a ser excluído é o recolhido, pois, se assim quisesse a decisão do STF, teria explicitado essa vontade.
Os contribuintes estão, bravamente, lutando pelo seu direito, e, ainda que o STF não tenha decidido os embargos de declaração, a jurisprudência nos Tribunais vem ganhando corpo a favor dos contribuintes, o que não poderia ser diferente. O TRF4, por exemplo, já chancelou que o ICMS destacado não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, como decidido pelo STF.
E os juízes e tribunais podem aplicar multas para a FN ao longo do processo, por interporem recursos manifestamente protelatórios, e para a Receita Federal, por descumprirem ordem judicial.
O importante é que, mesmo com os embaraços que os entes públicos tentam colocar para obstaculizar a aplicação da decisão, diversos contribuintes, por todo o país, já estão compensando seus créditos reconhecidos ou recebendo o indébito tributário por meio de precatório ou requisições de pequeno valor.