Por Gustavo Leite
No dia 10 de março de 2023, será retomado o julgamento da ADI 4.905 e do RE 796.939, Tema n° 736 da repercussão geral, que tratam da (in)constitucionalidade da multa isolada no caso de compensação não homologada.
O julgamento será em sessão virtual e será encerrado em 17 de março.
O STF já iniciou o julgamento desta matéria em 2020. Todavia, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Luiz Fux. Até o pedido de vista, a ADI estava sendo acolhida por dois votos a zero. (Fachin e Gilmar Mendes)
A própria Procuradoria Geral da República apresentou parecer favorável aos contribuintes. Conforme o parecer, “é inconstitucional a multa prevista no art. 74, § 17, da Lei 9.430/1996, quando aplicada da mera não homologação da compensação tributária, ressalvada sua incidência aos casos de comprovada má-fé do contribuinte.”
Como será exposto ao longo do artigo, nem poderia ser de outra forma, pois a multa é inconstitucional, em especial, para os contribuintes de boa-fé, por violar o direito de petição e, por igualmente, o devido processo legal assegurados na Constituição, bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Esta multa está prevista no art. 74, §17 da Lei n° 9.430/96 e é aplicada no caso de a compensação realizada pelo contribuinte não ser homologada pelo Fisco, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.
A dinâmica tributária das empresas compreende a apuração de tributos que devem ser recolhidos. Os contribuintes estão sujeitos a apurar crédito relativamente a algum tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento. Tais créditos podem ser utilizados para compensar débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, conforme expressamente previsto no art. 74 da Lei n° 9.430/96.
Tal compensação se realiza mediante a entrega, pelo sujeito passivo de obrigação tributária, de declaração, por meio do programa PER/Dcomp, na qual constam informações relativas aos créditos utilizados e os respectivos débitos compensados.
A compensação, em sua essência, é um modo de extinção de obrigações tributárias, já que, no caso, o sujeito passivo e o Fisco são, ao mesmo tempo, credores e devedores um do outro. Portanto, a obrigação se extingue na medida em que se compensam.
Esta modalidade de extinção do crédito tributário está prevista nos arts. 156, inciso II e 170, ambos do CTN. Veja-se:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(…)
II – a compensação;”
“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.”
Paulo de Barros Carvalho ensina que:
“A lei que autoriza a compensação pode estipular condições e garantias, ou instituir os limites para que a autoridade administrativa o faça. Quer isso significar que, num ou noutro caso, a atividade é vinculada, não dobrando ao agente público qualquer campo de discricionariedade, antagônico ao estilo de reserva legal estrita que preside toda a normalização dos momentos importantes das relações jurídicas tributárias.
No quadro da fenomenologia das extinções, a compensação ocupa o tópico de modalidade extintiva tanto do direito subjetivo como do dever jurídico, uma vez que o crédito do sujeito pretensor, num dos vínculos, é anulado pelo seu débito, noutro, o mesmo se passando com o sujeito devedor” ( Curso de Direito Tributário , 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 460).
Além da previsão contida na Lei n° 9.430/96, a Receita Federal do Brasil regulamentou este procedimento por meio da Instrução Normativa 2.055/2021, em seus arts. 64 e seguintes.
Com isso, atendidas as condições e as garantias definidas na lei específica, o sujeito passivo tem direito subjetivo à compensação tributária.
O procedimento de compensação está sujeito a ulterior homologação, por parte da Receita Federal do Brasil, que poderá homologar ou não a compensação realizada pelo contribuinte.
Caso haja a homologação, o crédito tributário estará extinto, conforme a previsão citada acima, do art. 156, II do CTN.
Caso o Fisco não homologue a compensação, será aplicada, ao contribuinte, multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.
A aplicação dessa multa viola o direito de peticionamento dos jurisdicionados, pois inibe que o contribuinte exerça o seu direito de compensação; a razoabilidade, pois o contribuinte não pode ser punido por uma compensação não homologada que pode decorrer de interpretação divergente da norma tributária ou pela inconsistência de informações enviadas para a Receita Federal, que pode ser caracterizada na dificuldade de comprovação de existência e suficiência do crédito objeto do pedido; e a proporcionalidade, pois uma multa no percentual de 50% significa, muitas vezes, valores vultosos e, que, consequentemente, impactam negativamente no fluxo de caixa das empresas.
Ou seja, o contribuinte fica inibido de exercer o seu direito, tendo em vista a possibilidade de aplicação de multa em valor elevado, sendo que, muitas vezes, a não homologação nem significa que o crédito pleiteado é indevido ou que a empresa tenha praticado um ato ilícito.
Ou seja, o mero pedido de ressarcimento ou compensação passa a ser tratado como potencial infração, na medida em que sua rejeição é suficiente para a incidência da multa de cinquenta por cento sobre o valor do crédito indeferido ou indevido ou objeto de declaração não homologada.
O direito de petição pode ser definido como “a garantia constitucional dada a qualquer pessoa de apresentar requerimento ou representar aos Poderes Públicos em defesa de direitos e contra abusos de autoridade.” E está previsto no art. 5° da CRFB/88. Veja-se:
“XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
- a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;”
Embora a mencionada multa não obste por completo o direito de petição, ela cria um relevante obstáculo à sua realização e acaba por inibir o exercício do direito do contribuinte.
Não há qualquer prejuízo ao Fisco diante do indeferimento do pedido de ressarcimento e compensação requerido pelo contribuinte ou da compensação levada a efeito. Portanto, a penalidade prevista no §17 da Lei n° 9.430/96, não está em conformidade com a Constituição, pois inibe a iniciativa dos contribuintes de exercerem um direito legalmente previsto.
Cumpre lembrar que a inconstitucionalidade por arrastamento ou atração ocorre quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma impugnada se estende aos dispositivos normativos que apresentam com ela uma relação de conexão ou interdependência.
Nessa linha, eventual declaração de inconstitucionalidade da previsão do §17 da Lei n° 9.430/96 importará, também, na inconstitucionalidade dos dispositivos correspondentes na Instrução Normativa n° 2.055/21, pois esta guarda com a lei relação de dependência, ao disciplinar os procedimentos relativos à restituição, compensação, ressarcimento e reembolso de tributos no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Ao tratar da lesão ao direito de petição, na ADI 4.905, a PGR assim se manifestou:
“[…]
- A partir do que sustenta Canotilho, a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como um “sistema aberto de regras e princípios”. Em seu cerne está um valioso catálogo de direitos fundamentais, que consagra harmonicamente valores das tradições político-filosóficas liberal e social, tendo como referencial o princípio da dignidade da pessoa humana.
- Em razão da natureza normativa dos princípios constitucionais – todos de igual hierarquia –, tornou-se ponto pacífico na dogmática constitucional a inexistência de direitos absolutos. Em havendo antinomias, todos os direitos fundamentais são passíveis de relativização, nos casos concretos, desde que respeitado o seu núcleo essencial.
- De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais:
“(…) aponta para a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia, deixando, com isso, de ser reconhecível como um direito fundamental.
(…) A ideia fundamental deste requisito é a de que existem conteúdos invioláveis dos direitos fundamentais que se reconduzem a posições mínimas indisponíveis às intervenções dos poderes estatais, mas que também podem ser opostas – inclusive diretamente – a particulares, (…)”.
- Como reconhece Virgílio Afonso da Silva:
“(…) o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é definido a partir da relação entre diversas variáveis – e de todos os problemas que as cercam – como o suporte fático dos direitos fundamentais (amplo ou restrito) e a relação entre os direitos e suas restrições (teorias externa ou interna)”.
- A fixação de multa ao contribuinte em razão do indeferimento de pedido de ressarcimento ou da não homologação de compensação declarada, independentemente da comprovação da má-fé do requerente, mostra-se apta a atingir o núcleo essencial do direito de petição. O exercício do referido direito resta reduzido, na medida em que desestimula a sua utilização pelos contribuintes, ainda que esses efetivamente façam jus à restituição ou à compensação.”
Portanto, é evidente a inconstitucionalidade da multa por compensação não homologada e a expectativa é de que o STF reconheça esta inconstitucionalidade no julgamento que terá início sexta-feira.
Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, a União estima perda de arrecadação de 3,7 bilhões de reais em cinco anos caso seja derrotada nos processos.